Infecção hospitalar: prevenir é responsabilidade de todos

A taxa de prevalência de Infecção Relacionada à Assistência a Saúde (IRAS) nos países da América Latina permanece elevada - na faixa dos 20%. Mudar isso depende, em grande parte, de ações preventivas para evitar a criação de biofilmes nos dispositivos médicos.

O uso de dispositivos médicos invasivos é parte da rotina dos cuidados em Saúde em todos os países do mundo. No entanto, a sua correta higienização tem se mostrado um desafio constante para a prevenção de infecção hospitalar, sobretudo entre os dispositivos com maior chance de contaminação por microrganismos, como endoscópios e materiais cirúrgicos. Para mudar esse cenário, não existe uma solução única possível, mas um somatório de ações preventivas para aumentar a segurança dos pacientes.

Mariana Gutierrez, consultora sênior em Educação Clínica da ASP para a Argentina, destaca um ponto comum a diversos países da América Latina: o uso indiscriminado de antibióticos que tem tornado os microrganismos mais resistentes e, consequentemente, mais perigosos: “O abuso ainda é visível no uso profilático de antibióticos como única e principal medida de prevenção de infecções de sítio cirúrgico, sem considerar outras ações quando a ação mais adequada envolve agir no momento anterior ao atendimento, oferecendo as condições corretas para uma boa desinfecção ou esterilização dos dispositivos médicos utilizados”.

A escassez de recursos em algumas instituições é outro fator que pode resultar no processamento inadequado dos materiais, pois essas organizações acabam optando por desinfetar dispositivos que deveriam, na realidade, ser esterilizados. “Isso aumenta muito a chance de ocorrerem infecções hospitalares”, garante Simone Plaza Carillo, Especialista em Educação Clínica da ASP para o Brasil.

Tal atitude pode, em parte, ser motivada por uma falha humana decorrente da falta de informação adequada no momento da limpeza, o que é um risco enorme, pois a higienização inadequada de dispositivos médicos críticos no momento imediato após seu uso eleva significativamente sua chance contaminação por causa da criação dos chamados biofilmes.

Infecção hospitalar: o tamanho do atual desafio na América Latina

Como apenas 15,6% dos países em desenvolvimento possuem sistemas de vigilância em nível nacional ou regional, é difícil estimar as taxas de nfecção Relacionada à Assistência a Saúde (IRAS) na maioria dos países. No entanto, tomando por base os poucos estudos disponíveis sobre esse tema, é possível estimar que esse número seja entre 2 e 20 vezes superior ao dos países desenvolvidos:

cada ano, as IRAS são responsáveis por cerca de 1,7 milhões de infecções e 99 mil mortes associadas. E isso apenas nos hospitais norteamericanos, segundo estimativa dos Centros de Controle de Doenças (CDC1.

Taxa de prevalência de IRAS
País UCI adulto
Argentina2 28,8%
Brasil3 14%
Colômbia4 30%
México5 23,8%

Má limpeza resulta em infecção

Biofilmes são como verdadeiras comunidades organizadas de microrganismos, que reúnem agentes microbianos de múltiplas espécies - fungos, leveduras, protozoários, bactérias - e com maiores chances de sobrevivência.

Logo no início, a formação de biofilme na superfície de um dispositivo médico reutilizável não é diferente da formação de biofilme em outras superfícies ou em um tecido: trata-se de um processo gradual que começa com o pré-condicionamento, passa para a fixação inicial reversível de microrganismos e, pouco tempo depois, para a fixação irreversível desses agentes patógenos, a formação de microcolônias e, finalmente, maturação do biofilme.6

Um ponto importante, no entanto, é que tais microrganismos só vão aderir de forma irreversível à superfície de dispositivos médicos que não são imediatamente higienizados. Isso porque, em contato com as sujidades do material, os microorganismos logo começam a secretar substâncias e sinais químicos para ‘recrutar’ outros patógenos para se unirem à comunidade. E, dessa forma, uma capa protetora superresistente é instituída e só pode ser rompida através de muita fricção.

VOCÊ SABIA? Biofilmes podem ser definidos como comunidades sésseis de células microbianas irreversivelmente ligadas a uma superfície inanimada ou a um organismo vivo, e que estão incorporadas em uma matriz autoproduzida de biomoléculas poliméricas extracelulares que são fisiologicamente e geneticamente diferentes das células planctônicas. Mais de 90% de todas as bactérias existentes vivem em biofilmes7.

As bactérias que formam um biofilme são mais resistentes aos antibióticos e, portanto, têm mais chances de sobreviver. Eles também são protegidos por uma camada protetora extracelular de polissacarídeos, que oferece resistência à comunidade microbiana, incluindo alguns agentes desinfetantes. É por isso que costumamos dizer que uma vez criado um biofilme, a sua adesão é um processo irreversível”, afirma Mariana.

A melhor ação contra os biofilmes, portanto, deve ser a preventiva. Isso significa atuar na hora que as bactérias estão “recrutando” os demais agentes microbianos, justamente para evitar a formação dessa capa protetora absolutamente resistente. No caso da higienização dos dispositivos médicos invasivos, o ideal é não deixá-los muito tempo parados após o uso justamente para evitar a formação de colônias que vão compor o biofilme, esclarece Simone: “Em vez disso, esses materiais devem seguir imediatamente para a pré-limpeza, ficando de molho em meio líquido, para evitar que sequem ainda sujos, pois é assim que o biofilme começa a se formar”.

O grande vilão da formação de biofilmes é o tempo entre o fim do uso de um dispositivo médico invasivo e o início de sua higienização. Quanto maior for essa espera, maior o risco de um biofilme ser formado na superfície do material e poder contaminar outro paciente

Quanto mais crítico for o instrumento utilizado, maior é o risco de criação de biofilme em sua superfície. E os endoscópios, por conta de sua estrutura (lúmen) e por terem contato direto com substâncias orgânicas produzidas pelo sistema digestivo, estão entre os dispositivos mais prováveis de infecção se a higienização correta não for aplicada. Especialmente porque não existem mecanismos estabelecidos de detecção de biofilme nesses materiais para que os profissionais dos centros de esterilização possam usar. A prevenção está justamente em manter uma rotina adequada de limpeza segundo todos os passos necessários.

Biofilmes e sua relação com o crescimento das IRAS⁸⁹

  • As Infecçções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são um problema emergente em todo o mundo.
  • Estima-se que entre 5% e 10% de todas as internações hospitalares resultem em uma IRA, mesmo nos países desenvolvidos.
  • Cerca de 30% das IRAS são evitáveis quando as práticas de controle de infecção são seguidas corretamente, especialmente a higiene das mãos e a correta esterilização dos dispositivos médicos.
  • Entre 70 e 80% das infecções microbianas no corpo humano envolvem a formação de biofilme, especialmente quando acontecem em ambientes hospitalares.
  • A resistência das bactérias nos biofilmes aos antibióticos pode ser de 10 a 1000 vezes maior que a das células planctônicas correspondentes.
  • A questão é: a formação de biofilme nas superfícies dos dispositivos médicos é um risco que pode ser controlado.
  • A prevenção de qualquer fixação microbiana na superfície de um dispositivo médico é a principal estratégia para evitar o biofilme.
  • Ao garantir a rápida limpeza e processamento do dispositivo, seja por desinfecção de alto nível ou esterilização e secagem adequada, os biofilmes não terão chance de se formar.

O processo de esterilização perfeito deve ser passível de rastreabilidade para garantir a qualidade do processo. Dessa forma, ao final, é possível ter dados suficientes para liberar a carga de forma segura para o uso dos pacientes

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Dispositivos médicos limpos evitam infecções hospitalares

Conheça o passo a passo da esterilização correta dos materiais médicos críticos. Seguindo todos os passos, é possível padronizar os processos de higienização e garantir um menor risco de infecção hospitalar

  1. 1Recepção do material sujo na Central de Material e Esterilização (CME). Unidade de apoio técnico que tem como finalidade fornecer materiais médico-hospitalares adequadamente processados.
  2. 2Pré-limpeza. Esse processo de deixar os dispositivos de “molho” em uma solução que evita a formação do biofilme enquanto o material aguarda a limpeza completa.
  3. 3Processo de limpeza. Pode ser feito tanto de forma manual, como em equipamentos automatizados.
  4. 4Inspeção. Nessa etapa são realizados os chamados testes de ATP (Adenosina Trifosfato), para medir o nível de competência da limpeza realizada. Costumam ser mais realizados em endoscópios e materiais mais críticos.
  5. 5Preparo. Etapa que acontece junto com a inspeção, para que o funcionário possa condicionar os materiais nas embalagens adequadas para a esterilização, que podem ser caixas ou bandejas.
  6. 6Esterilização. Os dispositivos são condicionados nos sistemas de esterilização de baixa temperatura, como o STERRAD™, para rodar o ciclo completo. Nessa etapa 6são colocados indicadores de processo dentro das caixas para comprovar a esterilização do material e em qual data e máquina foi realizada, para depois poder ter a rastreabilidade de uma possível origem da infecção.
  7. 7Dispensação. Depois do ciclo finalizado, o material é embalado e dispensado para novo uso.

Fonte: Simone Plaza Carillo, Especialista em Educação Clínica da ASP para o Brasil.

Referências

  1. Healthcare-Acquired Infections (HAIs). Patient Care Link. Acesso em setembro de 2023.

  2. Reporte Anual de Vigilancia de Infecciones Hospitalarias; 2019. Instituto Nacional de Epidemiología Dr. Juan H. Jara. Programa Nacional de Vigilancia de Infecciones Hospitalarias de Argentina (VIHDA).

  3. Agência Brasil. Reportagem publicada em 15/09/2019 com dados do Ministério da Saúde.

  4. Tasas de Prevalencia Colombia: Infecciones asociadas a los dispositivos invasivos en unidades de cuidado intensivo en Colombia, 2019 a mayo de 2023.

  5. RHOVE - 2017

  6. Roberts CG. The role of biofilms in reprocessing medical devices. Am J Infect Control. 2013 May;41(5 Suppl):S77-80.

  7. BASAK, S. et al. Biofilms: A Challenge to Medical Fraternity in Infection Control. Infection Control, 2013.

  8. Basak, S., et al. (2013). Biofilms: A Challenge to Medical Fraternity in Infection Control. InTech. doi: 10.5772/55649

  9. Li X, Sun L, Zhang P, Wang Y. Novel Approaches to Combat Medical Device-Associated BioFilms. Coatings. 2021; 11(3):294.

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